Qual o papel das mães na história?Sequencia Didatica


  Qual o papel das mães na história?
Sequencia Didatica

De coadjuvantes na história a personagens fundamentais nas engrenagens sociais dos nosso tempo. Entenda o papel daquelas cujo papel vai muito além de “rainha do lar”
Objetivos - Discutir aspectos ao papel atribuído às mulheres, especialmente as mães, na sociedade brasileira ao longo do tempo.



Mães

Conteúdos História das mulheres
Questões de gênero

Tempo estimado Duas aulas

Material Necessário
Cópias de dois excertos do livro “Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade", anexados ao plano

Desenvolvimento 1ª aula Inicie a aula questionando a turma sobre qual seria o papel das mulheres na sociedade, especialmente as mães. A partir das informações fornecidas pelos alunos, tente observar tanto a existência de estereótipos negativos relacionados ao sexo feminino quanto a da valorização da mulher como agente ativo na sociedade, em seguida explique à turma que a aula procurará discutir o papel desempenhado pelas mulheres/mães na história, especialmente do Brasil.

Distribua entre os alunos cópias de dois excertos do livro “Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade”, de autoria de Norbert Elias e John L. Scotson. Antes de iniciar a leitura, informe aos alunos que, ao estudarem as relações sociais existentes entre diferentes grupos de um povoado industrial britânico em meados do século XX, os autores notaram o papel central exercido pela figura da “mãe” em algumas famílias, sendo compreendida como elemento indispensável de coesão. Dito isso, faça a leitura dos dois excertos abaixo junto com a turma: 

A influência preponderante da mãe como uma espécie de matriarca. Eixo de um grupo familiar de três gerações: provavelmente estava ligada ao fato de que as principais funções que esse tipo de grupo tinha para seus membros eram predominantemente femininas e não masculinas; eram primordialmente funções das horas vagas e de pessoa a pessoa e só marginalmente funções ocupacionais especializadas que se centrassem em objetos impessoais. Fazia parte do papel e da inclinação da mulher cuidar das crianças quando as filhas ou noras saíam para trabalhar, e cuidar, de modo geral, dos interesses pessoais de outros membros dá família, tanto homens quanto mulheres, sempre que eles precisassem. [página 87]

A mãe da mulher cuidava dos filhos dos casais jovens durante a ausência deles. As crianças em idade escolar “passavam na casa da vovó” depois das aulas. Os bebês eram levados para a casa da avó antes do trabalho e buscados no início da noite. Mais uma vez, percebe-se aí o quanto esse padrão familiar estava ligado às necessidades das mulheres casadas que trabalhavam fora. As mães, na maioria dos casos, também pareciam haver trabalhado fora numa ou noutra ocasião. Seu papel atual de guardiãs das crianças, na ausência dos pais, contribuía para reforçar e ampliar a influência da avó materna. Muitas vezes, ele incluía decisões a serem tomadas a respeito das crianças. Até os problemas dos adultos, quando exigiam decisões, eram normalmente discutidos com “mamãe” pelas filhas e, às vezes, também pelos filhos e genros. [página 88]

ELIAS, Norbert; e SCOTSON, John. L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade. Tradução Vera Ribeiro. Tradução do posfácio à edição alemã, Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

Após a leitura, procure questionar os alunos em relação ao tipo de papel que caberia às mães na comunidade estudada por Norbert Elias e John L. Scotson. Destaque a forma como, apesar do aparente papel de destaque na coesão familiar, as mães acabam tendo um papel secundário em relação aos homens, tendo a missão de cuidar das crianças ou desempenhar, como frisaram os autores, “funções das horas vagas” e “só marginalmente funções ocupacionais especializadas”. Feito isso, retome as informações fornecidas pelos alunos acerca do papel das mulheres/mães na sociedade e na história, procurando explorar os possíveis estereótipos existentes em sua fala, explicando que essas imagens negativas da mulher foram construídas ao longo do tempo relacionando o sexo feminino a características como fragilidade, passividade e até mesmo maldade, sendo oriundas (no Ocidente) da tradição judaico-cristã. Siga informando que esses estereótipos chegaram ao Brasil via tradição ibérica e que, especialmente a partir do século XVIII, cristalizaram a ideia de que a mulher deveria reprimir seus desejos e individualidade, aceitando a subalternidade em relação ao universo masculino, especialmente o marido, tendo como tarefa principal a submissão e a geração de filhos.

Explique que a sociedade brasileira daquela época era patriarcal, ou seja, as famílias seriam organizadas em torno da figura central do chefe de família, marido e pai. O patriarcalismo seria algo que extrapolava as fronteiras familiares, permeando as relações de poder existentes no Brasil colonial e escravista, em que as figuras masculinas representadas pelos senhores da Casa Grande imperavam sobre as demais: esposas, filhos e escravos(as). Entretanto, informe à turma que o avanço das pesquisas sobre o cotidiano do Brasil colonial, por exemplo, revelaram a relatividade deste “império masculino”, indicando que a organização social era mais complexa e dinâmica do que se imaginava, mostrando que o papel das mulheres (inclusive enquanto mães) poderia ir muito além da submissão a uma figura masculina.

Comente com a turma que o estudo de documentos como processos criminais, registros paroquiais e cartoriais, recenseamentos (listas nominativas), além de relatos de viajantes estrangeiros, possibilitaram aos historiadores a identificação de diferentes tipos de relações familiares nos séculos XVIII e XIX, revelando uma diversidade mascarada pelos velhos estereótipos em torno da sociedade e das próprias mulheres. Esses documentos revelaram a forma como cotidianamente as mulheres/mães, especialmente as escravas, libertas e livres pobres, se desdobraram em múltiplos afazeres que foram essenciais, por exemplo, para o funcionamento dos núcleos urbanos, como o abastecimento de gêneros de primeira necessidade e os serviços domésticos em geral. Contrariando a “norma”, um número considerável de mulheres desempenhou o papel de chefe de suas famílias, tendo apenas para si a tarefa de criar os filhos.

Uma série de pesquisas, desenvolvidas nas últimas décadas, indicaram a existência, desde pelo menos o século XVIII, de um número considerável de famílias comandadas por mulheres. Para além da ideia de família patriarcal, diversas formas de organização familiar foram identificadas, como o concubinato e outras formas de uniões conjugais transitórias ou instáveis, tendo resultado na formação de domicílios chefiados por mulheres, mães de filhos tidos como “ilícitos”, ou seja, gerados fora de um casamento formal. Um exemplo dessa situação pode ser observado em pesquisas como a desenvolvida pela historiadora Vanda Praxedes, que, ao analisar recenseamentos realizados em Minas Gerais entre 1831 e 1832, constatou a existência de aproximadamente 17.150 domicílios chefiados por mulheres, o que representaria cerca 26,83% do total da população mineira da época. Dos domicílios identificados pela pesquisadora 28,6% seriam comandados por mulheres brancas, 51,6% pardas e 19,8% negras. Informe ainda que, no que diz respeito ao estado conjugal das mulheres presentes na pesquisa, 51% eram solteiras, 8% eram casadas e 41% eram viúvas. Explique que para alguns historiadores o alto índice de mães chefes de domicílio solteiras nos séculos XVIII e XIX poderia ser explicado em parte por conta dos casamentos serem muito caros e com processo demorado, o que nem sempre seria uma opção para os mais pobres, contrariando a ideia de que o matrimônio formal seria maciçamente predominante.

Muitas chefes de domicílio poderiam se ver sozinhas na criação dos filhos por conta de outros tipos de impedimento matrimonial, como o fato de terem se envolvido, por exemplo, com sacerdotes católicos. Um exemplo dessa situação seria o caso da mineira Ana da Cruz Ribeira, da cidade mineira de Santa Bárbara, que deixou em seu testamento pistas a respeito de suas relações com um sacerdote católico, pai de seus filhos. Apresente a turma o seguinte trecho do testamento registrado 1783:

(...) que nunca fui casada e sempre me conservei no estado de solteira, em qual tive dois filhos, um macho e uma fêmea, a saber o macho faleceu com a de idade de sete anos pouco mais ou menos e se apelidava Luiz, hoje só existe a fêmea Maria Antonia da Cruz Pereira, de idade de mais de vinte anos, a qual a emancipo, neste testamento, por ter idade, capacidade e boa economia para reger os bens que por meu falecimento lhe ficarem, e a instituo por minha herdeira e testamenteira(...).

(...) o Ajudante Antonio Felis, como comprador e testamenteiro do Reverendo Antonio Pereira Henriques, esse pretende propor causa sobre certos bens e escravos que uns eu paguei e outros deu-me aquele falecido, com quem tratava ilicitamente em remuneração aos desvelados serviços que lhe fiz de portas adentro e fora em anos continuados ao qual não devo cousa alguma, antes é o falecido que me ficou a dever, que eu por não falar em matérias de que me envergonhava e muito menos trazer à memória aquilo que sempre desejei ocultar, me fiquei no prejuízo de muitas oitavas que o mesmo me estava a dever. É minha vontade que minha herdeira e testamenteira deixe perder as oitavas que o mesmo falecido me devia pois não quero que do meu nome se lembre em papéis (...)”

PRAXEDES, Vanda Lúcia. Donas da casa e dos seus: mulheres chefes de domicílio em Minas Gerais (1770/1870). In: Anais do XIII Seminário de Economia Mineira. Belo Horizonte: CEDEPLAR/FACE/UFMG, 2008. v. 1.

Comente com a turma que o testamento de Ana revela informações importantes não só a respeito de suas relações com o pai de seus filhos, mas também em relação ao seu trabalho. O primeiro trecho mostra como criou seus filhos sendo sempre solteira, apontando sua preocupação em relação à sua filha (e única herdeira). Indique que o fato da herdeira ser possuidora de “capacidade e boa economia para reger os bens” poderia ser entendido naquela sociedade de fins do século XVIII como uma qualidade inerente aos homens, uma vez que geralmente eram eles quem ocupava a administração dos bens da família. Nesse caso, a observação feita no testamento pode indicar a forma como, além dos bens materiais, a mãe pode ter legado à sua herdeira a experiência e responsabilidade da sobrevivência da família, uma herança imaterial que diz respeito a normas e valores socialmente construídos. Já o segundo trecho revela que Ana vivia da realização de “serviços de portas adentro e afora”, o que significa que era uma “trabalhadora doméstica”, e que havia trabalhado para o pai de seus filhos, um padre de quem teria adquirido e herdado escravos e outros bens. O documento revela ainda o constrangimento de Ana em relação ao enlace com o sacerdote, fato do que se envergonhava e sempre quis ocultar, mostrando sua preocupação com as normas sociais então vigentes que, entretanto, não a impediram de criar os filhos.

2ª aula Procure iniciar a aula resgatando os conteúdos discutidos no encontro anterior, sublinhando informações como o papel das mulheres/mães chefes de domicílio no período colonial brasileiro e a forma como, de certa forma, essa informação relativiza o senso comum em torno da ideia sobre a organização familiar existente naquele período. Em seguida informe aos alunos que o papel da mulher na sociedade mudou significativamente ao longo do século XX, o que provocou a desconstrução de alguns dos estereótipos que giravam em torno do sexo feminino. Comente que o processo de industrialização, assim como a emergência dos movimentos feministas em meados do século passado possibilitaram a conquista de direitos civis e garantindo que as mulheres pudessem exercer outros papéis além do de dona de casa e mãe, favorecendo a organização de novos tipos de arranjo familiar, menos desiguais no que diz respeito à relação entre homens e mulheres. Saliente, lembrando os exemplos fornecidos na aula anterior, que o fato de mulheres chefiarem famílias não era uma novidade, mas que o reconhecimento social desta condição mudou consideravelmente, sendo hoje menos atingida pelo preconceito. Entretanto, saliente que muitos problemas ainda persistem.

Comente que de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a proporção de mulheres chefes de família aumentou consideravelmente entre os anos de 1995 e 2009, passando de 22,9% para 35,2%, respectivamente, significando que cerca de 21,7 milhões de famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, sendo a maioria mães. Ainda de acordo com estes dados, a maioria das famílias chefiadas por mulheres estão inseridas em espaços urbanos, se apresentando menos nas áreas rurais. Avanços também foram percebidos em relação aos estudos, mostrando que as mulheres hoje permanecem na escola mais tempo que os homens: em 2009, a taxa de escolarização das mulheres no ensino superior era de 16,6%, enquanto a dos homens, de 12,2%. Mesmo ocupando o papel de mãe muitas mulheres têm conseguido aumentar seu grau de instrução, alcançando melhores postos de trabalho, alguns destes antes exclusivamente masculinos.

Informe que, ainda de acordo com os dados fornecidos pelo IBGE e IPEA, as mulheres continuam enfrentando problemas para cuidar das famílias por elas chefiadas. Em comparação com as famílias chefiadas por homens, aquelas que comandadas pelas mulheres (especialmente as negras) ainda sofrem com maior vulnerabilidade, tendo rendimento per capita muito abaixo daquele percebido pelos homens. De acordo com o Retrato das desigualdades de gênero e raça, publicado pelo IPEA em 2011, a renda domiciliar média de uma família chefiada por um homem branco é de R$ 997, ao passo que a renda média numa família chefiada por uma mulher negra é de apenas de R$ 491. Ainda segundo a publicação, 69% das famílias chefiadas por mulheres negras ganham até um salário mínimo, percentual que cai para 41% entre as famílias chefiadas por homens brancos.

Atividade Procure discutir com a turma as mudanças ocorridas em relação ao status da mulher na sociedade ao longo do tempo, pensando especificamente nos exemplos trabalhados. Observe se os alunos conseguem identificar rompimentos e permanências em relação aos que seria o papel da mulher, principalmente enquanto mãe, pensando em sua situação contemporânea de contínua entrada em um mercado de trabalho ainda permeado por desigualdades em relação aos homens. Por fim, solicite aos alunos que redijam um trabalho abordando essa discussão, informando inclusive o papel desempenhado por suas mães no universo familiar, qual tipo de atividade exercem, qual o peso que tem na renda doméstica etc.

Avaliação Observe, com base nas discussões promovidas em sala e nos trabalhos escritos, se a turma conseguiu compreender as mudanças e permanências em relação ao papel das mulheres, especialmente as mães, na história, pensando em sua posição de liderança familiar, nas conquistas de direitos e na sobrevivência de entraves.

Consultor Luiz Gustavo Cota
Doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense



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